“A Natureza faz do homem um ser natural,
a sociedade faz dele um ser social
somente o homem é capaz de fazer de si um ser livre.”
Rudolf Steiner
A Pedagogia Waldorf, base que fundamenta o trabalho do Jardim das Amoras, concebe o homem como uma unidade harmônica físico-anímico-espiritual e sobre esse princípio fundamenta toda a prática educativa.
Ela considera o lado anímico-espiritual como a essência individual única de cada ser humano e o corpo físico como sua imagem e instrumento. Além disso, parte da hipótese de que o ser humano não está determinado exclusivamente pela herança e pelo ambiente, mas também pela resposta que do seu interior é capaz de realizar, em forma única e pessoal, a respeito das impressões que recebe. Considera que o homem ao nascer é portador de um potencial de predisposições e capacidades que, ao longo de sua vida, lutam por desenvolver-se.
A partir de uma visão antropológica, o nosso trabalho propõe uma concepção sobre o homem que abrange todas as dimensões humanas, em íntima relação com o mundo; explica e fundamenta o desenvolvimento dos seres humanos, segundo princípios gerais evolutivos que compreendem etapas de 7 anos, denominadas setênios.
Cada setênio apresenta momentos claramente diferenciáveis, nos quais surgem ou despertam interesses, perguntas latentes e necessidades concretas.
No primeiro setênio (0-7anos), a criança emprega todas as suas energias para o desenvolvimento de seu físico. Ela manifesta toda sua volição através de intensa atividade corporal.
Essa atividade, que atua na formação do físico do homem, se metamorfoseia na maior ou menor capacidade de atuar na vida adulta com liberdade no âmbito cultural-intelectual.
Nessa fase, a criança tem uma grande abertura em relação ao mundo. Ela acolhe sem resistência anímica tudo o que lhe advém do ambiente em redor, entregando-se ao mundo com CONFIANÇA ilimitada. Vive num estado de ingenuidade paradisíaca, num mundo em que o bem e o mal se confundem indistintamente.
Na criança, todos os órgãos de percepção sensória estão abertos e, a partir de uma intensa atividade em seu interior, ela responde com a repetição dos estímulos vindos do ambiente exterior, a IMITAÇÃO. Essa imitação é a grande força que a criança de 1° setênio tem disponível para a aprendizagem, inclusive a do falar, do fazer, do adequado ou impróprio no comportamento humano. E é por uma imitação mais sutil que ela cria, ainda sem consciência, o fundamento para sua moralidade futura.
Nesse período a criança tem muitos amigos. Ela está aberta a contatos com outros, porém as amizades ainda são bastante superficiais, não atingindo efetivamente o outro; são muito mais destinadas a trazer o outro para o seu próprio mundo e brincar.
Durante esse 1º setênio, a relação mais importante com o mundo exterior transcorre de fora para dentro. Todavia, as experiências adquiridas ainda não são centralizadas no eu, ou seja, no centro de sua consciência.
No segundo setênio (de 7 a 14 anos), a criança passa a ter todas as suas forças dirigidas ao seu desenvolvimento anímico. Emancipando-se da vida puramente corporal, as energias infantis reaparecem metamorfoseadas em boa memória, imaginação, prazer em repetições rítmicas e frequentemente em desejo de conhecer imagens de caráter universal capazes de estimular a fantasia.
O pensamento da criança dessa fase é nascido mais das energias do coração do que da cabeça; é um sentimento que pensa. Este pensar é, portanto, ainda muito diferente do pensar analítico e especulativo do adulto.
A grande força para aprender, nesse momento, é a capacidade de vivenciar imagens interiores intensamente. Essas imagens falam ao mundo dos sentimentos das crianças e é por intermédio delas que a criança se liga aos conteúdos apresentados.
Por volta dos nove anos, no entanto, a criança vivencia uma distância entre ela e os adultos, entre ela e o mundo e isto lhe causa insegurança. Começa então, inconscientemente, a questionar a autoridade a que antes se entregou e busca justificar sua admiração e veneração para readquirir segurança.
Por volta dos dez / doze anos, o corpo da criança começa a perder as características da infância: predomina o crescimento dos membros e o desenvolvimento do sistema muscular se torna mais importante. Inicia-se, aí, o período em que ela se inclina à crítica e surge uma nova capacidade de raciocinar. Só agora, por volta de doze anos, a criança é capaz de compreender as relações causa-efeito, ou seja, entende e busca legitimamente as leis que regem os fenômenos. Ainda nesse período, toma suas próprias vivências como referência para compreensão deles; só mais tarde terá a capacidade de olhá-los de forma isolada, ou seja, do ponto de vista exclusivamente intelectual. Nas relações sociais, as crianças dessa fase tendem a ser camaradas e justas com os colegas, levados por sentimentos morais e honradez. Tudo nessa fase, inclusive as travessuras, têm seu encanto.
No final desse setênio, entre doze e catorze anos, começa o complexo de sintomas da puberdade. Os processos de transformação dentro do corpo do púbere perturbam a harmonia de sua vida anímica. Surge o desequilíbrio e antipatia aos valores tradicionais até então aceitos. A reflexão intensa sobre tudo o que até agora estava estabelecido causa uma grande inatividade – “preguiça”; por outro lado, todos os processos corpóreos exigem muita atividade física.
No terceiro setênio (14 a 21 anos), o jovem entra numa relação totalmente nova com o mundo. Liberam-se as energias anímicas, ou seja, elas tornam-se independentes. No entanto, a trajetória de desenvolvimento do anímico constitui a base da vida emotiva pessoal, em que a vida se torna assunto próprio e interrogação individual sobre tudo que existe.
Uma vez liberadas as forças anímicas, desperta o pleno desenvolvimento das forças do pensar lógico, analítico e sintético. É nesse pensar e no discernir que o jovem vai buscar respostas às perguntas existenciais que surgem. É típico, nessa fase, o caráter enciclopédico, o entusiasmo pelo conhecimento e pela compreensão de fatos, a realização de experiências com perseverança e tenacidade. A esperança e o fracasso são os polos entre os quais a vida passa a se desenrolar.
A solidão é uma intensa vivência da puberdade e é a partir dela que o jovem procura o caminho que o conduz ao próximo e a sua própria identidade. Surge daí o desejo de experienciar algo junto aos outros e sentir-se protegido pelo grupo de amigos. Ele anseia por novos pontos de apoio e quer reconhecer o mais velho como um guia numa atmosfera amistosa, pois autoridade para ele, agora, é um insulto a sua personalidade.
Pode-se considerar a puberdade como um acontecimento dramático e grandioso na vida juvenil. O amadurecimento sexual, embora seja um grande drama real, não é o mais importante, pois há outros tantos com os quais o jovem tem que lidar.
Paralelamente, ao despertar para a realidade da sexualidade, há o despertar para a realidade da Terra. Surge então a capacidade de amar profundamente, não apenas o sexo oposto, mas a humanidade como um todo. Esse é o momento em que se desenvolve no jovem um vigoroso idealismo, a busca pela verdade, a vontade de mudar o mundo e torná-lo mais fraterno. Sentindo-se corresponsável pela futura estrutura social, despertam-se lhe os impulsos de luta, realização e atuação. Assim, o jovem prepara-se para, através de uma profissão, atuar na vida social, onde acredita ser possível realizar os ideais formados na juventude.
Ao observar-se o desenrolar dos 3 setênios e fazer-se um paralelo entre o desenvolvimento da humanidade e o do indivíduo, é possível notar que, nos dois primeiros setênios e parte do terceiro (até ao redor dos 16 anos), o ser humano reconstrói em si a evolução que a Humanidade foi realizando através das diferentes etapas históricas. Isto é, o nível de consciência vai sendo conquistado paulatinamente, do nascimento à juventude, como a Humanidade o fez da Antiguidade aos dias atuais.
Esta observação, fundamentada no conhecimento profundo das características evolutivas e no conhecimento da conquista paulatina de consciência, requer que a ação pedagógica promova, facilite e maximize a aprendizagem e dê resposta aos interesses, perguntas latentes e necessidades concretas da criança. Pois é só respondendo à expectativa presente no educando que a aprendizagem adquire caráter significativo.
A educação assim entendida transcende a mera transmissão de conhecimentos e se converte em sustentação do desenvolvimento integral do educando, cuidando que tudo o que se faça tenha como meta a formação de sua vontade e o cultivo de sua sensibilidade e intelecto.
Em consequência, o Jardim das Amoras organiza os conteúdos curriculares no tempo e no ritmo adequados à situação evolutiva específica, cultivando a ciência, a arte e os valores morais e espirituais.
Deste modo, procura-se estabelecer uma relação harmônica entre desenvolvimento e aprendizagem, fazendo confluir a dinâmica interna da pessoa com a ação pedagógica direta, ou seja, integrando os processos de desenvolvimento individual com a aprendizagem da experiência humana culturalmente organizada.
Nossas escolas dão especial atenção para que no ensino se encontrem entretecidos pontos de vista científicos e estético-artísticos com os aspectos relativos ao respeito profundo e à admiração ante o mundo.
Aprofundando-se nos estudos antropológicos e ampliando-os, Rudolf Steiner compreendeu que os fundamentos para a realização dos ideais humanos de convivência moral-social, baseados na liberdade com responsabilidade, fraternidade, respeito mútuo, consciência plena de igualdade de direitos e deveres, desenvolvem-se na criança e no jovem, através do cultivo da admiração e da veneração, os quais só podem se dar através de uma religiosidade livre e verdadeira. Respeitando todas as religiões, foi no cristianismo que Rudolf Steiner encontrou caminho para essa religiosidade. Assim, o Jardim das Amoras tem sua pedagogia permeada por valores cristãos livres de qualquer instituição confessional.